20 de dez. de 2009

RUBEM ALVES

Quase uma semana sem postar aqui no blog, foi por um motivo justo, estava fazendo um trabalho fora.
Hoje estou postando um texto de Rubem Alves para reflexão, é um pouco longo, mas vale a pena ser lido tanto por quem ainda vai escolher uma profissão quanto por aqueles que já escolheram.



Diploma não é a solução!
Por Rubem Alves*Vou confessar um pecado: às vezes, faço maldades. Mas não faço por mal. Faço o que faziam os mestres zen com seus "koans". "Koans" eram rasteiras que os mestres passavam no pensamento dos discípulos. Eles sabiam que só se aprende o novo quando as certezas velhas caem. E acontece que eu gosto de passar rasteiras em certezas de jovens e de velhos…
Pois o que eu faço é o seguinte. Lá estão os jovens nos semáforos, de cabeças raspadas e caras pintadas, na maior alegria, celebrando o fato de haverem passado no vestibular. Estão pedindo dinheiro para a festa!
Eu paro o carro, abro a janela e na maior seriedade digo: "Não vou dar dinheiro. Mas vou dar um conselho. Sou professor emérito da Unicamp. O conselho é este: salvem-se enquanto é tempo!". Aí o sinal fica verde e eu continuo.
"Mas que desmancha-prazeres você é!", vocês me dirão. É verdade. Desmancha-prazeres. Prazeres inocentes baseados no engano. Porque aquela alegria toda se deve precisamente a isto: eles estão enganados.
Estão alegres porque acreditam que a universidade é a chave do mundo. Acabaram de chegar ao último patamar. As celebrações têm o mesmo sentido que os eventos iniciáticos —nas culturas ditas primitivas, as provas a que têm de se submeter os jovens que passaram pela puberdade. Passadas as provas e os seus sofrimentos, os jovens deixaram de ser crianças. Agora são adultos, com todos os seus direitos e deveres. Podem assentar-se na roda dos homens. Assim como os nossos jovensagora podem dizer: "Deixei o cursinho. Estou na universidade".

Houve um tempo em que as celebrações eram justas. Isso foi há muito tempo, quando eu era jovem. Naqueles tempos, um diploma universitário era garantia de trabalho. Os pais se davam como prontos para morrer quando uma destas coisas acontecia: 1) a filha se casava. Isso garantia o seu sustento pelo resto da vida; 2) a filha tirava o diploma de normalista. Isso garantiria o seu sustento caso não casasse; 3) o filho entrava para o Banco do Brasil; 4) o filho tirava diploma.
O diploma era mais que garantia de emprego. Era um atestado de nobreza. Quem tirava diploma não precisava trabalhar com as mãos, como os mecânicos, pedreiros e carpinteiros, que tinham mãos rudes e sujas.
Para provar para todo mundo que não trabalhavam com as mãos, os diplomados tratavam de pôr no dedo um anel com pedra colorida. Havia pedras para todas as profissões: médicos, advogados, músicos, engenheiros. Até os bispos tinham suas pedras.
(Ah! Ia me esquecendo: os pais também se davam como prontos para morrer quando o filho entrava para o seminário para ser padre —aos 45 anos seria bispo— ou para o exército para ser oficial —aos 45 anos seria general.)
Essa ilusão continua a morar na cabeça dos pais e é introduzida na cabeça dos filhos desde pequenos. Profissão honrosa é profissão que tem diploma universitário. Profissão rendosa é a que tem diploma universitário. Cria-se, então, a fantasia de que as únicas opções de profissão são aquelas oferecidas pelas universidades.
Quando se pergunta a um jovem "O que é que você vai fazer?", o sentido dessa pergunta é "Quando você for preencher os formulários do vestibular, qual das opções oferecidas você vai escolher?". E as opções não oferecidas? Haverá alternativas de trabalho que não se encontram nos formulários de vestibular?
Como todos os pais querem que seus filhos entrem na universidade e (quase) todos os jovens querem entrar na universidade, configura-se um mercado imenso, mas imenso mesmo, de pessoas desejosas de diplomas e prontas a pagar o preço.
Enquanto houver jovens que não passam nos vestibulares das universidades do Estado, haverá mercado para a criação de universidades particulares. É um bom negócio.
Alegria na entrada. Tristeza ao sair. Forma-se, então, a multidão de jovens com diploma na mão, mas que não conseguem arranjar emprego. Por uma razão aritmética: o número de diplomados é muitas vezes maior que o número de empregos.
Já sugeri que os jovens que entram na universidade deveriam aprender, junto com o curso "nobre" que freqüentam, um ofício: marceneiro, mecânico, cozinheiro, jardineiro, técnico de computador, eletricista, encanador, descupinizador, motorista de trator… O rol de ofícios possíveis é imenso. Pena que, nas escolas, as crianças e os jovens não sejam informados sobre essas alternativas, por vezes mais felizes emais rendosas.
Tive um amigo professor que foi guindado, contra a sua vontade, à posição de reitor de um grande colégio americano no interior de Minas. Ele odiava essa posição porque era obrigado a fazer discursos. E ele tremia de medo de fazer discursos. Um dia ele desapareceu sem explicações. Voltou com a família para o seu país, os Estados Unidos.Tempos depois, encontrei um amigo comum e perguntei: "Como vai o Fulano?". Respondeu-me: "Felicíssimo. É motorista de um caminhão gigantesco que cruza o país!".
* Rubem Alves é escritor, educador e contador de histórias.

A todos um Feliz Natal.

9 comentários:

Millena disse...

Diploma não é a solução, mas um começo pra ela.

Gabriel Pozzi disse...

olá...
sempre pensei parecido com o escritor dessa crônica...
meu sonho é trabalhar com arte, seja qual for ela, música, teatro, design, fotografia, cinema... e bem, com esse pensamento, é difícil pra mim aceitar a ideia de ter que tirar um diploma... o que vão me fazer na faculdade? ensinar a ser artista?
infelizmente, é difícil pros meus pais aceitarem a ideia de ir para o mercado de trabalho sem um diploma...

estou, portanto, prestando teatro, vai agradar meus pais e quem sabe, será de utilidade pra mim.

http://songsweetsong.blogspot.com/

kbritovb disse...

principalmente nos dias de hoje diploma num é garantia pra nada

Losterh disse...

E viva as pessoas que fazem o que gostam.

Anônimo disse...

Concordo em partes com ele, Inez!

Hoje, o mercado de trabalho realmente está muito fechado e essas profissões sem diplomas é um caminho até rentável, mas ainda há espaço para novos formandos no mercado de trabalho!!

Enfim, Feliz Natal pra ti e que em 2010 suas realizações sejam ainda maiores!

bjs!

Renan Barreto disse...

INEZZZZZZZZ. Como é que tá? BEm, eu concordo e não concordo com ele. Eu acho que o Diploma não é a solução, ele é um pedaço de papel. E um pedaço de papel custa 1 centavo. Acho que a questão não é o diploma, mas as escolhas. Eu escolhi jornalismo e posso garantir que durante esse tempo todo cresci como pessoa e hoje sou um bom profissional e com convites de emprego em alguns lugares. Entretanto, algumas pessoas que estudam na mesma universidade que eu não podem dizer a mesma coisa, isso porque não se esforçaram o suficiente. O diploma sem esforço é tão vazio quanto o tempo jogado no lixo. 4 anos é muito tempo, é muito dinheiro investido. Eu dou valor ao saber que adquiri com o tempo. Não são o profissional perfeito, mas estou correndo atrás para ser o melhor possível.

As escolhas são dificieis. Eu ainda quero fazer cinema e publicar meus livros e mangás. São planos meus desde criança. E todo trabalho é honroso, com ou sem diploma, pois o que vale é a vontade de crescer.

Bjo

VALEUUUUUUU

PS: FELIZ NATAL E ANO NOVO>

PS2: Vou fazer o último post do ano porque vou entrar de férias no blog pra me dedicar a um projeto que estou desenvolvendo.

Gleise Erika Cavalli disse...

Olá Rubens e Inez.
Eu sempre fui dessas que pensa que diploma é garantia de emprego. Minha mãe é mais tranquila com esses assuntos, como vocês colocaram no texto, e ela sempre diz o importante é ter um emprego digno em que nos sintamos felizes.
Já meu pai é mais rigido.
Engraçado né, meu pais tem só a 7ª série, e minha mãe cursa pedagogia.
Creio que uma faculdade completará a minha felicidade, caso eu não venha a trabalhar na área. ;)
Ótimo natal a vocês!
Bjs!

Bianca de Azevedo disse...

Olá Inez! sou visitante de primeira viagem no seu blog. hehehe
confesso que adorei as postagens e, quanto a essa, digo que concordo.
Por sentir na pele a pressao dos pais quanto a fazer um curso renomado, visando uma carreira de sucesso financeiro e todos aqueles sonhos dos pais.
não me queixo tanto, pois encontrei, dentre as profissoes consideradas pelo meus pais "boas", um caminho.
Porém, é fato que essa adoração às profissões nao adianta muito.
de que adianta ser formado se o diploma tem que ficar na gaveta?
um beijo e aguardo uma visita.

Anônimo disse...

O problema é que nosso ensino superior é voltado para a contrução de uma carreira rentável, e isso atrai muitos interesseiros, verdadeiros piratas do conhecimento que seriam muito maism felizes como simples comerciantes, já que não estão interessados no0 conhecimento em si. Como o modelo capitalista prevê a exclusão de áreas e setores imensos para prover pleno emprego em outros lugares, a sina de alguém, em algum lugar sempre será ficar de fora. Num modelo ideal, quem não tá nem aí pra pesquisa e conhecimento aprofundado faz trabalhos mais imediatos, também rentáveis, e deixa as vagas na universidade pra quem realemnte tem interesse, amor ao conhecimento profundo e complexo.